domingo, 9 de dezembro de 2012

1.


Novembro 2012

‘O que achas que devo vestir?’ 

Gemma parecia distraída e a minha tentativa para que ela me ajudasse a escolher o conjunto para levar ao trabalho não foi bem-sucedida.  

‘Gemma, is everything ok?’

Ela pareceu acordar de repente.

‘Sim, sim, desculpa! Estávamos a falar de…’ procurou lembrar-se e numa fração de segundos já estava a completar-se: ‘Conjunto para levar ao primeiro dia de trabalho, já me lembrei!’

Yes!’ confirmei.

Estava no meu closet, na secção da roupa mais informal.

‘Bem, podias levar um Valentino ou Hervé Léger mas isso era demasiado para uma primeira impressão’.

‘Ficava logo com o rótulo de menina rica de Staten Island!’

Sim, vestidos de marca estavam fora de questão. Pelo menos por agora. 

‘Ok, estou a lembrar-me de um bom conjunto…’

Passei a minha mão livre pela textura das minhas roupas, já a entrar em desespero. Gemma era a única que me podia ajudar.

‘Saia cinzenta DKNY…’

Corri até à secção das saias e procurei-a com atenção, encontrando-a segundos depois. Como é que ela se lembrava desta saia? Eu própria já me tinha esquecido.
As indicações via telemóvel não pararam:

‘Botas Burberry, as pretas…’ 

Tinha muitas botas pretas mas só umas eram da Burberry e lembrava-me perfeitamente quais eram porque simplesmente tinham sido das minhas melhores aquisições. 

‘E aquela mala vermelha Alexander McQueen, se não me engano…’

Na secção das malas, procurei por aquela em particular. Já não a usava há uns bons meses. Era bonita mas às vezes esquecia-me das coisas antigas em detrimento das mais recentes. Tão típico.

‘Mais!’ ordenei.

‘Agnes, tu tens centenas de peças de roupa. Não estás à espera que me recorde de todas pois não? Estou a ver umas imagens na Internet! Procura um casaco e top preto e uns collants opacos. Aí tens!’

Era o meu primeiro bloqueio de conjugação desde o ínicio do último ano do liceu, quando não sabia o que vestir e acabei por defraudar as minhas expetativas. 

Ok, I think I can handle now!’ disse, expressando agradecimento.

Good luck honey!’ não estava a vê-la mas sabia que ela estava a sorrir ‘Go get them!’

Proferi mais uns quantos agradecimentos atabalhoados e desliguei.
Passei um creme hidratante pelo corpo e rosto e apliquei uma leve máscara nas pestanas e um leve blush nas bochechas. No que toca à maquilhagem era pouco ou nada entendida. Mas também pouco me interessava, a base fechava-me os poros e fazia-me uma espécie de alergia. É óptima para esconder imperfeições, isso é um facto, mas só a uso em casos muito extremos de festas importantes a afins.
Depois de decidir qual a camisola e o blusão pretos que iria levar, vesti o conjunto todo, ficando a olhar-me ao espelho.

Tinha de dar!
Deixei cair os meus cabelos longos ondulados pelos ombros e dirigi-me à empresa, no centro de Manhattan, a cerca de quarenta minutos de distância.
­­__

Louise, a rececionista, encaminhou-me para o escritório de Henry Pierce, filho do multimilionário Anthony Saint Pierce e da ex-modelo de sucesso Natalie Yorgenssen. Tinha mais um irmão, com vinte anos, Ralph, que também estava metido em negócios mas na área da informática.
Sabia muita coisa acerca da família, não por ter pesquisado por iniciativa própria mas sim porque quando mostrei interesse em estagiar lá me foi dado um dossier com as informações mais importantes com o intuito, segundo eles “de evitar perguntas desnecessárias”. Pois bem, aquele dossier esclarecia-nos na perfeição: tinham descendência norueguesa da parte da mãe, nasceram na ilha de Jersey entre França e Inglaterra, tinham frequentado um colégio interno enquanto jovens e, basicamente vivem da fama do pai enquanto homem de negócios de renome.
Quando entrei no escritório, já me tinha mentalizado que aquele estágio valeria a pena, nem que fosse pelo facto de o nome da empresa ir constar no meu currículo posteriormente; já me tinham avisado em como Henry Pierce poderia ser duro e difícil enquanto patrão.

‘Mr. Henry, Agnes Devenport is here!’ anunciou Louise à entrada.

Send her in!’ ordenou, uma voz fria e autoritária a cortar o silêncio do corredor. 

God! Eu estava nervosa! E ainda mais depois de ouvir aquela voz.
Louise fez-me sinal para entrar e antes que ela se ausentasse pelo corredor fora, deixando-me ali à minha mercê fiquei agradada ao constatar que ela calçava uns sapatos Loubotin. Parece que o meu dress-code está certo, after all.
Entrei hesitante no escritório; estava bem iluminado, janelas amplas em todo o comprimento da divisão estavam cobertas por cortinas suaves de linho branco até mais de metade, o chão era de mármore preto a contrastar com o mármore branco do resto do edifício, as paredes eram forradas de madeira clara e aqui e ali jaziam penduradas umas quantas fotografias, umas abstratas outras que me pareceram ser pessoais. A sua secretária tinha um tampo em vidro e em cima tudo estava meticulosamente organizado: papéis, canetas, dossiers, livros, blocos de notas, agenda, calculadoras, candeeiros e claro, um Ipad de última geração. A sua cadeira era alta, forrada a pele preta e bastante flexível, parecendo ser bastante confortável. Já a cadeira dos seus convidados era mais simples, mas também ela parecia ser igualmente confortável. Ao lado da secretária estava uma pequena sala de estar, com sofás vermelhos e uma mesa redonda no meio, onde estava um tabuleiro com café, algumas bolachas e chá. Aquilo tudo para me receber?
Ele estava de costas para mim, a olhar pela janela, mãos nos bolsos do seu fato preto perfeitamente recortado que lhe assentava que nem uma luva. Assim que fechei a porta, ele voltou-se para mim e encarou-me.
Holy fuck! Sabia que Henry Pierce era bonito e bem constituído mas as fotografias certamente não lhe faziam o jus devido.
Pestanejei, agora ainda mais nervosa. Ele caminhou até perto da secretária e fez-me sinal para que me sentasse à sua frente, um gesto cordial mas ao mesmo tempo cavalheiresco. Fiz como me foi sugerido e sentei-me, ajeitando a minha saia no contato com a cadeira. Ele fez o mesmo, ajeitando o seu fato e desapertando o único botão que juntava o blazer, deixando evidenciar ainda mais a sua camisa branca, do mais fino linho que já tinha visto. Certamente que o fato é Hugo Boss

Welcome Miss Devenport!’ cumprimentou mas sem muitas cerimónias.

Limitei-me a acenar.
Cruzei as pernas o mais discretamente que consegui e esperei que ele acabasse de remexer nos seus papéis. Oh my… porque é que nunca ninguém tinha mencionado que para além de ele ser autoritário e frio também é hot as hell?
Fiquei a observa-lo enquanto ele procurava atentamente no meio das suas folhas: o fato, já tinha quase a certeza que era Hugo Boss mas agora não era isso que me chamava a atenção mas sim os seus traços incrivelmente perfeitos. Tinha olhos azuis esverdeados, sobrancelhas carregadas mas que lhe assentavam na perfeição, nariz bem feito e uma boca pequena mas muito bem delineada. Para não mencionar a sua barba por fazer e o seu cabelo castanho-escuro rebelde, que lhe davam um ar de bad boy bastante apelativo.
Ele despertou-me quando a sua voz ecoou, quebrando o silêncio:

Here it is!’ passou-me a folha do contrato e uma caneta ‘Acredito que tenha lido o dossier com as informações que lhe mandamos’.

Anuí, sem dizer uma palavra. Estava completamente hipnotizada por aquele sotaque britânico de cortar a respiração. Tinha-me esquecido desse facto: ele era britânico. British men in New York

‘Ok, então penso que é só assinar’. 

Sem muitas conversas e direto ao ponto. Henry Pierce é mesmo gélido.
Comecei a assinar, pensando por que raio ele não me questionava; afinal, ele não sabia nada da minha vida. Poderia ser uma assassina em série ou quanto menos ter registos criminais. Como é óbvio, isso não é verdade mas nunca é demais reunir algum conhecimento sobre as pessoas com quem vamos trabalhar. Será que ele tinha feito isso?

Any questions you want to make?’

A sua pergunta pareceu mais ser feita por obrigação do que por livre vontade. Claramente, ele não era homem de muitas conversas.

Yes!’ respondi, com algumas perguntas em mente à medida que lhe entregava o contrato assinado com a minha melhor caligrafia ‘Is there any dress-code?’ 

Ele olhou-me e subitamente a sua expressão alterou-se: passou de demasiado sério a ostentar um sorriso que escondia um certo divertimento. Essa mudança de humor assustou-me; provavelmente estaria a pensar que sou uma fútil e superficial. Má escolha de primeira pergunta!

No, Miss Devenport!’ ele recostou-se na cadeira ‘I like the way you’re dressing so keep dressing like that.’

Ajeitei-me na cadeira, de súbito desconfortável e envergonhada. Ele tinha acabado de me elogiar? Deveria ficar contente com o seu comentário?

When do I start?’ acrescentei, um pouco mais confiante.

Acho que ele me tinha elogiado. Oh my God devia ligar a Gemma assim que saísse. 

Right now!’

What?
Ele levantou-se, na sua mais pura elegância incapaz de passar despercebida e recolheu o seu blazer que tinha pousado nas costas da cadeira. 

I have a meeting in thirty minutes’ olhou para o relógio, talvez para constatar a veracidade do que estava a dizer ‘Gostava que me acompanhasses!’

Já?
As minhas pernas tremelicavam e eu não sabia se devia ou não levantar-me mas acabei por faze-lo quando ele circundou a secretária em direção à porta. 

‘Espero que não te importes que te trate por tu’ proferiu, segurando a porta para que eu seguisse à sua frente. 

‘It’s ok!’ respondi, passando à sua frente, ainda atordoada com a notícia de que começaria hoje. 

Ao chegarmos à sala de espera, Henry dirigiu-se a Louise com quem trocou algumas palavras e eu apressei-me a enviar uma mensagem de texto a Gemma, a dizer:

*Podias ter-me avisado que ele é hot!*

Passados alguns segundos, ainda Henry e Louise conversavam, ela respondeu-me:

*Não sei como ainda não tinhas reparado nisso. Mas por favor, não te deixes fascinar, ele é muito velho!*

Reli a mensagem dela e depois lembrei-me: she is right! Henry não é demasiado velho para mim certamente, mas o que Gemma quis dizer foi que eu sou demasiado nova para ele. She is right! Afastei qualquer pensamento sobre os seus atributos da minha cabeça. Oito anos separam-nos: eu com dezanove, ele com vinte e sete.
__

‘Carl Thompson, a minha nova secretária pessoal, Miss Agnes Devenport!’

Henry apresentou-me formalmente a Carl Thompson, das empresas de multimédia Thompson. É um homem já com alguma idade, talvez mais de cinquenta anos mas bem conservado, apenas mais denunciado pelas rugas que já se vincavam afincadamente na sua tez pálida.
Estávamos num hotel no centro de Manhattan, luxuoso mas frequentado sobretudo por pessoas que vêm a Nova Iorque de passagem como empresários, equipas de futebol, banqueiros, etc. Carl deveria ser um desses casos.
Henry pediu-me que lhes fosse buscar uns cafés, enquanto ambos caminharam em direção a uma sala reservada especialmente para a sua pequena reunião. Ainda pude ouvir Carl dizer-lhe: ‘You certainly know how to choose the girls’ seguido de uma gargalhada abafada.
Enquanto me dirigia ao Starbucks para fazer o meu papel de secretária pessoal, a frase de Carl Thompson não me saía da cabeça. Ele falou em girls, no plural, ou seja, antes de mim já houve outras. Será que foram despedidas? E o que quereria ele dizer com o facto de ele saber escolhê-las? Esperava não me ter metido em sarilhos.
Já a dirigir-me de volta ao hotel, decidi mandar uma mensagem a Gemma, esperando que o seu trabalho como jornalista de investigação me pudesse ser útil:

*I need help! Podes investigar as últimas secretárias do meu novo patrão? Não fiques alarmada, não é nada do que estás a pensar. Tell me if I can count on you!
Xoxo*

Era assim que eu resolvia as minhas curiosidades: Gemma, de alguma forma, arranjava sempre forma de descobrir os segredos mais recônditos dos outros. Era isso que fazia dela tão boa na sua profissão.
Quando cheguei ao hotel, bati à porta da sala onde sabia que eles estavam reunidos. Henry concedeu-me a entrada:

‘Podes pô-los aqui!’ ordenou, apontando para cima da mesa. 

Mas eu era o quê? A empregada doméstica?
Virei costas e voltei a sair da sala, indo sentar-me numas das cadeiras disponíveis na sala de espera do hotel. Se o meu trabalho fosse assim todos os dias, não sei se aguentaria até ao final do mês.
Henry e Carl apareceram cerca de meia hora depois. À porta, Henry apertou-lhe a mão e vi o empresário dirigir-se à porta do elevador do hotel e carregar no botão.
Levantei-me, ajeitando a minha saia e dirigi-me até Henry, que falava ao telemóvel. Por muito que tentasse, não conseguia desviar as atenções dele: tão misterioso, tão frio, tão perfeito… dava vontade de conhecê-lo melhor, embora não soubesse explicar porquê. Talvez a sua maneira de ser fosse um escudo para tentar repelir as pessoas mas apenas acabasse por atraí-las.
Well, I will have plenty of time to know him better. Queria mesmo o nome daquela empresa no meu currículo.

Shall we go?’ questionou ele, apontando para o Mercedes que nos esperava à porta. 

Na vinda tínhamos vindo de BMW e agora aparecia um Mercedes! What the hell? Será que ele tem uma coleção de carros na sua garagem? Não é de admirar, ele pode compra-los. Um diferente por semana.
__

À chegada à empresa, Henry disse querer falar comigo no seu escritório.
Eram sete e meia da noite, o que significava que eu tinha ficado quase doze horas no trabalho. Só esperava que não fosse assim todos os dias; ia deixar-me exausta, ainda mais porque praticamente só vou buscar cafés e espero enquanto ele fala com os seus clientes. Será que ele me ia dar trabalho a sério agora? I wish

Well, Ms. Carl invited us to a cocktail dinner at his house, tomorrow’ ele fez uma pausa, talvez esperando que eu dissesse algo mas eu ainda não tinha bem a certeza se aquilo seria um convite ‘I hope you’re available.’ 

Claro que estou disponível. Este é o meu trabalho.
Anuí, deixando as palavras para outra altura.
De certa forma, ele intimidava-me; aquela voz, a forma como as pessoas lhe obedeciam cegamente, o seu ar sério e prepotente, o seu físico escultural… era como se estivesse na presença de um Deus, de alguém superior.
What the hell am I thinking?
Talvez seja esse o intuito dele: ter esse efeito nas pessoas e assim garantir não ser questionado em momento algum. So far, he has been succeeded

‘Tens alguma pergunta?’ ele interrompeu os meus pensamentos inapropriados.

Abanei a cabeça quase automaticamente. Queria ir para casa, tomar um duche quente e descansar. 

‘Amanhã só precisas de vir ao final da tarde!’ proferiu friamente, deixando no ar a minha deixa. 

Time to go!
Levantei-me, ainda hesitante se deveria dizer-lhe alguma coisa ou simplesmente sair mas acabei por decidir-me pela segunda opção. Ele já estava mergulhado na sua papelada e por isso achei mais sensato ausentar-me sem dizer nada. 

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Olá a todos! Sou nova nestas andanças mas estou mesmo empenhada! Gostava de pedir a qualquer pessoa que tenha gostado do que leu para tentar divulga-la ao máximo! 
Xoxo*