Novembro
2012
‘O que achas
que devo vestir?’
Gemma
parecia distraída e a minha tentativa para que ela me ajudasse a escolher o
conjunto para levar ao trabalho não foi bem-sucedida.
‘Gemma, is everything ok?’
Ela pareceu acordar
de repente.
‘Sim, sim,
desculpa! Estávamos a falar de…’ procurou lembrar-se e numa fração de segundos
já estava a completar-se: ‘Conjunto para levar ao primeiro dia de trabalho, já
me lembrei!’
‘Yes!’ confirmei.
Estava no
meu closet, na secção da roupa mais
informal.
‘Bem, podias
levar um Valentino ou Hervé Léger mas isso era demasiado para
uma primeira impressão’.
‘Ficava logo
com o rótulo de menina rica de Staten Island!’
Sim,
vestidos de marca estavam fora de questão. Pelo menos por agora.
‘Ok, estou a
lembrar-me de um bom conjunto…’
Passei a
minha mão livre pela textura das minhas roupas, já a entrar em desespero. Gemma
era a única que me podia ajudar.
‘Saia
cinzenta DKNY…’
Corri até à
secção das saias e procurei-a com atenção, encontrando-a segundos depois. Como
é que ela se lembrava desta saia? Eu própria já me tinha esquecido.
As
indicações via telemóvel não pararam:
‘Botas
Burberry, as pretas…’
Tinha muitas
botas pretas mas só umas eram da Burberry e lembrava-me perfeitamente quais
eram porque simplesmente tinham sido das minhas melhores aquisições.
‘E aquela
mala vermelha Alexander McQueen, se não me engano…’
Na secção
das malas, procurei por aquela em particular. Já não a usava há uns bons meses.
Era bonita mas às vezes esquecia-me das coisas antigas em detrimento das mais
recentes. Tão típico.
‘Mais!’
ordenei.
‘Agnes, tu
tens centenas de peças de roupa. Não estás à espera que me recorde de todas
pois não? Estou a ver umas imagens na Internet! Procura um casaco e top preto e
uns collants opacos. Aí tens!’
Era o meu
primeiro bloqueio de conjugação desde o ínicio do último ano do liceu, quando
não sabia o que vestir e acabei por defraudar as minhas expetativas.
‘Ok, I think I can handle now!’
disse, expressando agradecimento.
‘Good luck honey!’ não estava a vê-la mas
sabia que ela estava a sorrir ‘Go get
them!’
Proferi mais
uns quantos agradecimentos atabalhoados e desliguei.
Passei um
creme hidratante pelo corpo e rosto e apliquei uma leve máscara nas pestanas e
um leve blush nas bochechas. No que
toca à maquilhagem era pouco ou nada entendida. Mas também pouco me
interessava, a base fechava-me os poros e fazia-me uma espécie de alergia. É
óptima para esconder imperfeições, isso é um facto, mas só a uso em casos muito
extremos de festas importantes a afins.
Depois de
decidir qual a camisola e o blusão pretos que iria levar, vesti o conjunto
todo, ficando a olhar-me ao espelho.
Tinha de
dar!
Deixei cair
os meus cabelos longos ondulados pelos ombros e dirigi-me à empresa, no centro
de Manhattan, a cerca de quarenta minutos de distância.
__
Louise, a
rececionista, encaminhou-me para o escritório de Henry Pierce, filho do
multimilionário Anthony Saint Pierce e da ex-modelo de sucesso Natalie
Yorgenssen. Tinha mais um irmão, com vinte anos, Ralph, que também estava
metido em negócios mas na área da informática.
Sabia muita
coisa acerca da família, não por ter pesquisado por iniciativa própria mas sim
porque quando mostrei interesse em estagiar lá me foi dado um dossier com as informações mais
importantes com o intuito, segundo eles “de evitar perguntas desnecessárias”.
Pois bem, aquele dossier
esclarecia-nos na perfeição: tinham descendência norueguesa da parte da mãe,
nasceram na ilha de Jersey entre França e Inglaterra, tinham frequentado um
colégio interno enquanto jovens e, basicamente vivem da fama do pai enquanto
homem de negócios de renome.
Quando
entrei no escritório, já me tinha mentalizado que aquele estágio valeria a
pena, nem que fosse pelo facto de o nome da empresa ir constar no meu currículo
posteriormente; já me tinham avisado em como Henry Pierce poderia ser duro e
difícil enquanto patrão.
‘Mr. Henry,
Agnes Devenport is here!’ anunciou
Louise à entrada.
‘Send her in!’ ordenou, uma voz fria e
autoritária a cortar o silêncio do corredor.
God! Eu estava nervosa! E ainda mais depois de ouvir aquela voz.
Louise
fez-me sinal para entrar e antes que ela se ausentasse pelo corredor fora,
deixando-me ali à minha mercê fiquei agradada ao constatar que ela calçava uns
sapatos Loubotin. Parece que o meu dress-code está certo, after all.
Entrei
hesitante no escritório; estava bem iluminado, janelas amplas em todo o
comprimento da divisão estavam cobertas por cortinas suaves de linho branco até
mais de metade, o chão era de mármore preto a contrastar com o mármore branco
do resto do edifício, as paredes eram forradas de madeira clara e aqui e ali
jaziam penduradas umas quantas fotografias, umas abstratas outras que me
pareceram ser pessoais. A sua secretária tinha um tampo em vidro e em cima tudo
estava meticulosamente organizado: papéis, canetas, dossiers, livros, blocos de notas, agenda, calculadoras, candeeiros
e claro, um Ipad de última geração. A
sua cadeira era alta, forrada a pele preta e bastante flexível, parecendo ser
bastante confortável. Já a cadeira dos seus convidados era mais simples, mas
também ela parecia ser igualmente confortável. Ao lado da secretária estava uma
pequena sala de estar, com sofás vermelhos e uma mesa redonda no meio, onde estava
um tabuleiro com café, algumas bolachas e chá. Aquilo tudo para me receber?
Ele estava
de costas para mim, a olhar pela janela, mãos nos bolsos do seu fato preto
perfeitamente recortado que lhe assentava que nem uma luva. Assim que fechei a
porta, ele voltou-se para mim e encarou-me.
Holy fuck! Sabia que Henry Pierce era bonito e bem constituído mas as
fotografias certamente não lhe faziam o jus devido.
Pestanejei,
agora ainda mais nervosa. Ele caminhou até perto da secretária e fez-me sinal
para que me sentasse à sua frente, um gesto cordial mas ao mesmo tempo
cavalheiresco. Fiz como me foi sugerido e sentei-me, ajeitando a minha saia no
contato com a cadeira. Ele fez o mesmo, ajeitando o seu fato e desapertando o
único botão que juntava o blazer,
deixando evidenciar ainda mais a sua camisa branca, do mais fino linho que já
tinha visto. Certamente que o fato é Hugo
Boss.
‘Welcome Miss Devenport!’ cumprimentou
mas sem muitas cerimónias.
Limitei-me a
acenar.
Cruzei as
pernas o mais discretamente que consegui e esperei que ele acabasse de remexer
nos seus papéis. Oh my… porque é que
nunca ninguém tinha mencionado que para além de ele ser autoritário e frio
também é hot as hell?
Fiquei a
observa-lo enquanto ele procurava atentamente no meio das suas folhas: o fato,
já tinha quase a certeza que era Hugo Boss
mas agora não era isso que me chamava a atenção mas sim os seus traços
incrivelmente perfeitos. Tinha olhos azuis esverdeados, sobrancelhas carregadas
mas que lhe assentavam na perfeição, nariz bem feito e uma boca pequena mas
muito bem delineada. Para não mencionar a sua barba por fazer e o seu cabelo
castanho-escuro rebelde, que lhe davam um ar de bad boy bastante apelativo.
Ele
despertou-me quando a sua voz ecoou, quebrando o silêncio:
‘Here it is!’ passou-me a folha do
contrato e uma caneta ‘Acredito que tenha lido o dossier com as informações que lhe mandamos’.
Anuí, sem
dizer uma palavra. Estava completamente hipnotizada por aquele sotaque
britânico de cortar a respiração. Tinha-me esquecido desse facto: ele era
britânico. British men in New York!
‘Ok, então
penso que é só assinar’.
Sem muitas
conversas e direto ao ponto. Henry Pierce é mesmo gélido.
Comecei a
assinar, pensando por que raio ele não me questionava; afinal, ele não sabia
nada da minha vida. Poderia ser uma assassina em série ou quanto menos ter
registos criminais. Como é óbvio, isso não é verdade mas nunca é demais reunir
algum conhecimento sobre as pessoas com quem vamos trabalhar. Será que ele
tinha feito isso?
‘Any questions you want to make?’
A sua
pergunta pareceu mais ser feita por obrigação do que por livre vontade.
Claramente, ele não era homem de muitas conversas.
‘Yes!’ respondi, com algumas perguntas em
mente à medida que lhe entregava o contrato assinado com a minha melhor
caligrafia ‘Is there any dress-code?’
Ele olhou-me
e subitamente a sua expressão alterou-se: passou de demasiado sério a ostentar
um sorriso que escondia um certo divertimento. Essa mudança de humor
assustou-me; provavelmente estaria a pensar que sou uma fútil e superficial. Má
escolha de primeira pergunta!
‘No, Miss Devenport!’ ele recostou-se na
cadeira ‘I like the way you’re dressing
so keep dressing like that.’
Ajeitei-me
na cadeira, de súbito desconfortável e envergonhada. Ele tinha acabado de me elogiar?
Deveria ficar contente com o seu comentário?
‘When do I start?’ acrescentei, um pouco
mais confiante.
Acho que ele
me tinha elogiado. Oh my God devia
ligar a Gemma assim que saísse.
‘Right now!’
What?
Ele
levantou-se, na sua mais pura elegância incapaz de passar despercebida e
recolheu o seu blazer que tinha
pousado nas costas da cadeira.
‘I have a meeting in thirty minutes’
olhou para o relógio, talvez para constatar a veracidade do que estava a dizer ‘Gostava
que me acompanhasses!’
Já?
As minhas
pernas tremelicavam e eu não sabia se devia ou não levantar-me mas acabei por
faze-lo quando ele circundou a secretária em direção à porta.
‘Espero que
não te importes que te trate por tu’ proferiu, segurando a porta para que eu
seguisse à sua frente.
‘It’s ok!’
respondi, passando à sua frente, ainda atordoada com a notícia de que começaria
hoje.
Ao chegarmos
à sala de espera, Henry dirigiu-se a Louise com quem trocou algumas palavras e
eu apressei-me a enviar uma mensagem de texto a Gemma, a dizer:
*Podias
ter-me avisado que ele é hot!*
Passados alguns segundos, ainda Henry e
Louise conversavam, ela respondeu-me:
*Não sei
como ainda não tinhas reparado nisso. Mas por favor, não te deixes fascinar,
ele é muito velho!*
Reli a mensagem dela e depois lembrei-me: she is right! Henry não é demasiado
velho para mim certamente, mas o que Gemma quis dizer foi que eu sou demasiado
nova para ele. She is right! Afastei
qualquer pensamento sobre os seus atributos da minha cabeça. Oito anos
separam-nos: eu com dezanove, ele com vinte e sete.
__
‘Carl Thompson, a minha nova secretária
pessoal, Miss Agnes Devenport!’
Henry apresentou-me formalmente a Carl
Thompson, das empresas de multimédia Thompson. É um homem já com alguma idade,
talvez mais de cinquenta anos mas bem conservado, apenas mais denunciado pelas
rugas que já se vincavam afincadamente na sua tez pálida.
Estávamos num hotel no centro de Manhattan,
luxuoso mas frequentado sobretudo por pessoas que vêm a Nova Iorque de passagem
como empresários, equipas de futebol, banqueiros, etc. Carl deveria ser um
desses casos.
Henry pediu-me que lhes fosse buscar uns cafés,
enquanto ambos caminharam em direção a uma sala reservada especialmente para a
sua pequena reunião. Ainda pude ouvir Carl dizer-lhe: ‘You certainly know how to choose the girls’ seguido de uma
gargalhada abafada.
Enquanto me dirigia ao Starbucks para fazer o meu papel de secretária pessoal, a frase de
Carl Thompson não me saía da cabeça. Ele falou em girls, no plural, ou seja, antes de mim já houve outras. Será que
foram despedidas? E o que quereria ele dizer com o facto de ele saber
escolhê-las? Esperava não me ter metido em sarilhos.
Já a dirigir-me de volta ao hotel, decidi
mandar uma mensagem a Gemma, esperando que o seu trabalho como jornalista de
investigação me pudesse ser útil:
*I need help! Podes investigar as últimas
secretárias do meu novo patrão? Não fiques alarmada, não é nada do que estás a
pensar. Tell me if I can count on you!
Xoxo*
Era assim que eu resolvia as minhas
curiosidades: Gemma, de alguma forma, arranjava sempre forma de descobrir os
segredos mais recônditos dos outros. Era isso que fazia dela tão boa na sua
profissão.
Quando cheguei ao hotel, bati à porta da sala
onde sabia que eles estavam reunidos. Henry concedeu-me a entrada:
‘Podes pô-los aqui!’ ordenou, apontando para
cima da mesa.
Mas eu era o quê? A empregada doméstica?
Virei costas e voltei a sair da sala, indo
sentar-me numas das cadeiras disponíveis na sala de espera do hotel. Se o meu
trabalho fosse assim todos os dias, não sei se aguentaria até ao final do mês.
Henry e Carl apareceram cerca de meia hora depois.
À porta, Henry apertou-lhe a mão e vi o empresário dirigir-se à porta do
elevador do hotel e carregar no botão.
Levantei-me, ajeitando a minha saia e
dirigi-me até Henry, que falava ao telemóvel. Por muito que tentasse, não
conseguia desviar as atenções dele: tão misterioso, tão frio, tão perfeito…
dava vontade de conhecê-lo melhor, embora não soubesse explicar porquê. Talvez
a sua maneira de ser fosse um escudo para tentar repelir as pessoas mas apenas
acabasse por atraí-las.
Well, I will have plenty of time to know him better. Queria
mesmo o nome daquela empresa no meu currículo.
‘Shall
we go?’ questionou ele, apontando para o Mercedes que nos esperava à porta.
Na vinda tínhamos vindo de BMW e agora
aparecia um Mercedes! What the hell?
Será que ele tem uma coleção de carros na sua garagem? Não é de admirar, ele
pode compra-los. Um diferente por semana.
__
À chegada à empresa, Henry disse querer falar
comigo no seu escritório.
Eram sete e meia da noite, o que significava
que eu tinha ficado quase doze horas no trabalho. Só esperava que não fosse
assim todos os dias; ia deixar-me exausta, ainda mais porque praticamente só
vou buscar cafés e espero enquanto ele fala com os seus clientes. Será que ele
me ia dar trabalho a sério agora? I wish!
‘Well,
Ms. Carl invited us to a cocktail dinner at his house, tomorrow’ ele fez
uma pausa, talvez esperando que eu dissesse algo mas eu ainda não tinha bem a
certeza se aquilo seria um convite ‘I
hope you’re available.’
Claro que estou disponível. Este é o meu
trabalho.
Anuí, deixando as palavras para outra altura.
De certa forma, ele intimidava-me; aquela
voz, a forma como as pessoas lhe obedeciam cegamente, o seu ar sério e
prepotente, o seu físico escultural… era como se estivesse na presença de um
Deus, de alguém superior.
What the hell am I thinking?
Talvez seja esse o intuito dele: ter esse
efeito nas pessoas e assim garantir não ser questionado em momento algum. So far, he has been succeeded.
‘Tens alguma pergunta?’ ele interrompeu os
meus pensamentos inapropriados.
Abanei a cabeça quase automaticamente. Queria
ir para casa, tomar um duche quente e descansar.
‘Amanhã só precisas de vir ao final da
tarde!’ proferiu friamente, deixando no ar a minha deixa.
Time to go!
Levantei-me, ainda hesitante se deveria
dizer-lhe alguma coisa ou simplesmente sair mas acabei por decidir-me pela
segunda opção. Ele já estava mergulhado na sua papelada e por isso achei mais
sensato ausentar-me sem dizer nada.
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Olá a todos! Sou nova nestas andanças mas estou mesmo empenhada! Gostava de pedir a qualquer pessoa que tenha gostado do que leu para tentar divulga-la ao máximo!
Xoxo*